Quando toco violão, silencio uma parte minha que argumenta. Em tempos de exagero e euforia, o silenciamento é mais do que necessário. Mas quando chega então, a fase da melancolia, há um receio em calá-la. A pergunta que fica é "Ela terá algo a dizer quando tudo acabar? Ou será mais uma memória perdida?".
Eu sei que anunciei uma pergunta, mas joguei duas na roda. Esta sou eu, escrevo como falo e sinto dificuldade em explicar o que eu sinto sem quebrar tudo em pequenas frases. Gosto de mastigar. Viu? Fiz de novo.
Sou frequentemente impactada por frases curtas que machucam e afagam na mesma proporção. Você sabe do que eu tô falando. Pode ser num filme, numa série ou na vida mesmo. Quanto maior a amargura das palavras, mais poético tudo se torna.
Às vezes até me desconecto de brigas para apreciar a beleza do que foi dito, mesmo que machuque. E não cure.
Em tempos de quarentena, é especialmente importante que a gente acolha o nosso eu pensante. A minha eu argumentadora sempre esteve por aí, junto comigo, mas dificilmente eu a deixava sair.
Eu dizia "Querida, não está tarde para isso?", "Sim, você foi magoada, mas isso não quer dizer que você precise magoar de volta, mesmo que saiba como", "Você realmente quer se desgastar nesse conflito?" e por aí vai.
Eu mato a argumentadora lentamente sempre que deixo o silêncio ser resposta. Pois agora que o meu eu integral tem estado mais sozinho, minha versão argumentativa tem dado às caras.
É um problema, sabe? Volta e meia, ela se lembra de uma resposta que poderia ter dado, de uma briga que poderia ter vencido e assim começa seu showzinho. Eu acabo tendo que interromper tudo que estou fazendo para assistir infinitas discussões que, dependendo dela, só acabariam quando alguém a declarasse vencedora.
A magia surge nesses esclarecimentos incomodativos quando em meio a gritos e ironias disparadas, aparece uma palavra bonita. E agora vocês já sabem o quanto eu gosto de frases bem feitas. Mesmo que machuque e nunca cure.
Porém quando a minha versão argumentadora descobriu que não ganhava todos os conflitos, preferi que ela não participasse mais da minha vida. Seu silêncio e sua ausência precisavam ir para algum lugar além de mim. Então comecei a escrever para que a voz argumentadora dentro de mim se transformasse em palavras.
E estas quando sem raiva (na maioria das vezes), espremeram-se por corredores estreitos a fim de dizerem o que precisam dizer sem machucar mais do que o necessário.
Hoje em dia, elas são pensadas e repensadas repetidamente não para que o prêmio final de um conflito seja a presunção em estar mais certo do que o outro, mas para que a pessoa que dentro de mim argumenta viva.
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