Um dos muitos aspectos em que o Orkut era superior ao Facebook é que nele a gente fazia piadinhas. Perfis eram construídos com base no humor (ou na cafonice). A face que você expunha e pela qual era socialmente julgado dependia dos seus dotes intelectuais, da sua capacidade de ser engraçadinho ou poético ou profundo no preenchimento do seu perfil.
O meu perfil era baseado em piadinhas metalinguísticas com os campos do próprio Orkut. Na parte em que me perguntavam o que não me atraía num relacionamento, por exemplo, eu copiava e colava tudo que estava na lista de “coisas atraentes” propostas pelo site — tatuagens, cabelo comprido, dançar, flertar, demonstrações públicas de afeto, luz de velas, sarcasmo.
No campo que perguntava sobre filhos eu respondia “prefiro que fiquem no zoológico”, uma das opções disponíveis para “animais de estimação”. Eu me teria como filha adolescente numa boa.
Os campos de preenchimento do Facebook são travados e jogados para escanteio. Não existe sequer uma forma digna da pessoa informar que é autônoma sem recorrer a bizarrices gramaticais como “work at freelancer”.
Há anos tento incluir “School of Ressentment” na lista de lugares onde estudei e o site mata minha piada. Como o Facebook é uma rede social com um apuro e investimento técnico muito maior do que o Orkut, sabemos que nada disso é falha, mas ideologia.
O que interessa no Facebook não é sua biografia engraçadinha, os filmes que você gosta, suas citações favoritas. Interessa o seu emprego. Você é seu cargo, a empresa onde trabalha, a universidade onde estudou, a cidade onde mora e seu status de relacionamento. Isso e sua aparência, claro. Não é fácil ser solteiro e desempregado numa rede social assim.
Não é fácil ter estudado numa faculdade menos conceituada ou sequer ter concluído os estudos. Uma amiga super bem-sucedida, dona de sua própria empresa e que teoricamente teria mais facilidade em lidar com isso, coloca o seguinte no campo “educação”: “Não estudei em nenhuma universidade”.
Da primeira vez que vi aquilo só pensei “então não preenche”. Hoje penso: “preenche sim!”. Tem uma rede social fazendo bullying com você o tempo inteiro, tentando de vários modos te cercar e te constranger quando você não diz onde trabalha, onde estudou, qual seu cargo, quanto tempo passou na empresa tal. O Facebook é aquela pessoa chatinha que mal te viu e já pergunta o que você faz da vida.
É aquela pessoa que paga de descolada, mas é super apegada a posições sociais bem delimitadas. Quanto mais delimitadas, melhor. Por isso gosto tanto de gente que ensaia piadinhas como “Sambista at Cara da Sociedade” e coisas bobas do gênero. Ser bobo num lugar que te quer como produto é um pequeno ato de rebeldia.
Esse é um debate que provavelmente já foi superado por *gerações mais novas*, mas para mim, que comecei a me relacionar com a cultura de internet em 1999, é um choque pensar no quanto esse espaço que já foi um “fora”, um lugar de fuga da vidinha, tem se tornado mais vidinha que a firma, que o pessoal da escola, do bairro.
A internet anônima, com menos recursos, com menos dinheiro, mais colaborativa, mais nerd, mais exigente do ponto de vista técnico, era também mais legal. Usar o mirc era engatinhar na programação, hoje desafiar o usuário parece ser a fórmula do fracasso para uma nova ferramenta.
Quando comecei a escrever, ter um blog era uma forma de falar para muita gente, muita gente que não tivesse nada a ver com a sua vidinha. Era a vida e a vidinha, Miley e Hannah Montana. Hoje a internet é o contrário do lugar de fuga, é a ferramenta que exige que você seja uniforme, homogêneo, que seja o mesmo diante do chefe, do ex-chefe, do colega, do ex-colega, da mãe, do ex-namorado, do paquera, da tia, do vizinho.
A rede social nega seu direito de ser complexo e multifacetado; isso é visto como falsidade, falta de profissionalismo. Sua vida pessoal deve agregar valor ao seu trabalho. Agora você tem que ser profissional na sua vida pessoal, e ninguém parece ver problema nisso.
O problema está com o trabalhador que posta fotos bêbado, não com o patrão que acha que o funcionário é sua propriedade até na bebedeira. Você é a pessoa que tem que esquematizar uma narrativa coerente e palatável para toda essa gente (todas as gentes que já conheceu na vida). E ainda tem que se surpreenda por essa narrativa ser chata, muito chata.
O texto foi escrito pela Juliana Cunha e publicado no blog Nonada. Na Tag "No Fundo do Armário", postamos textos de diversos autores.
Foto: We Heart It
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