Faz cinco meses que eu me mudei para a Sudeste Asiático e comecei a trabalhar na minha pesquisa sobre felicidade. Quem acompanha o blog e conhece a minha história de vida, sabe que eu não sou do tipo “esquerda caviar” que estava cansada da vida e decidiu ir se encontrar em algum lugar de nome exótico.
Muito pelo contrário. Eu sempre amei o Brasil e achei que, mesmo com todos os problemas, era um país abençoado e de gente feliz, como eu.
Mas, de uns meses para cá, eu tenho visto muita gente insatisfeita, desanimada e sem esperança sobre o futuro do país. Aqui de fora – e eu nem precisei viver em países como Dinamarca, Suíça ou Austrália para perceber isso – vejo que vai ser preciso além de tempo, também uma mudança radical na mentalidade dos brasileiros para que o Brasil comece a funcionar.
Sabe quando você conhece uma pessoa linda, de uma beleza tão exorbitante que te hipnotiza? O corpo é perfeito, a pele dourada, com um charme e graça capaz de fazer qualquer um ficar apaixonado à primeira vista. Divertida, adora uma festa e dança como ninguém. Nas primeiras semanas convivendo com essa pessoa, você acha que encontrou o amor da sua vida.
Com o passar dos meses você percebe que ela não está nem aí com o próximo e só pensa em levar vantagem. Também não tem muita escolaridade e não está preocupada com isso, afinal, é tão bonita que não precisa se dar ao trabalho de investir em educação. Além disso, não é capaz de fazer nada direito, mas acha que tudo bem já que no fim, todo mundo se acostuma. Pois é, essa pessoa é o Brasil.
Desde que o Brasil é Brasil, sofremos com a exploração por parte de quem está no poder e isso gerou uma população que, para sobreviver, criou o “jeitinho brasileiro”. Esse jeitinho nada mais é do que uma desculpa para levar vantagem, seja lá em relação ao que.
Quando alguém se sente lesado, frequentemente acaba fazendo algo que, no fim das contas, também vai acabar lesando outra pessoa. O problema é que em uma população de 200 milhões de habitantes os resultados são desastrosos.
Um dos jeitinhos do “pobre” é roubar. A sensação que eu tenho é que algumas pessoas se sentem no direito de tirar de você algo que elas julguem que você deva ter conseguido sem esforço.
Faz um tempo eu sofri um sequestro relâmpago as 19h em uma rua movimentada do bairro de Pinheiros em São Paulo. Não era madrugada e eu não estava em um bairro de periferia. Na época eu tinha um C3 que comprei usado da minha melhor amiga que me fez um preço ultra camarada. Ah! E fiz um financiamento para pagar. Também tinha algumas coisas legais como um iPod que eu ganhei de Natal do meu namorado na época e uns óculos de Sol que tinha comprado em quatro parcelas.
Eles ficaram andando comigo pelo bairro dos Jardins em São Paulo por duas horas, com uma arma apontada para a minha cabeça, enquanto um terceiro elemento sacava meu dinheiro. Revirando as minhas coisas eles diziam:
- Olha essa luneta que da hora! Esse vai ficar para mim.
- O iPod dela é rosa, a Fulaninha vai gostar.
- Vamos pegar o radio também? O papai dela compra outro depois.
Mal eles podiam imaginar, que eu estudei com meninos como eles na Zona Leste de São Paulo e que nunca tinha ganhado nenhum bem material de valor do meu pai, que na ocasião inclusive, nem era mais vivo. Só porque eu era “arrumadinha”, tinha um carro que eles julgavam ser de “patricinha” e meia dúzia de coisas na minha bolsa, eu merecia passar por aquilo. Afinal, tinha conseguido tudo sem nenhum esforço, exatamente o caso deles, naquele momento.
O problema é que a nossa elite também não é um exemplo de conduta . O “rico” também tem seus jeitinhos. Quem não conhece alguém que já pagou uma fortuna para se livrar dos pontos da carteira de motorista? Ou pagou propina para um policial para ser liberado de um inconveniente, seja por ter tomado umas a mais ou por ter meia culpa em um acidente? Ou que adora fumar um baseadinho no fim de semana para relaxar?
Esses, também são os brasileiros que reclamam da falta de segurança, do sistema corrupto que não funciona e que comparam o Brasil aos países de primeiro mundo, onde não existe “jeitinho brasileiro” nem tolerância para quem não segue as leis. Reclamamos da impunidade, mas quando é para nos beneficiar, adoramos usar o jeitinho brasileiro para não sermos punidos.
É claro que o “pobre” e o “rico” estão totalmente generalizados nesses exemplos apenas para ilustrar que, quase o tempo todo, existe alguém tentando levar algum tipo de vantagem independentemente da classe social. Mas, infelizmente, o que mais se vê na mídia atualmente é uma esquerda que culpa os ricos e o consumismo pelas mazelas do país e uma elite que culpa o governo e os “pobres vagabundos” que não tiveram competência para estudar e merecerem uma vida melhor. Todo mundo olhando para o próprio umbigo e procurando um culpado.
Eu não tenho dúvida de que o Brasil precise urgentemente de uma reforma tributária, já que somos um dos países que mais paga impostos no mundo sem NENHUM retorno, de melhorias no sistema de educação, saúde, rodovias e tudo o que temos direito. Só que não é apenas isso que vai fazer o Brasil ser um país de primeiro mundo, mas também a mudança na mentalidade e no comportamento dos brasileiros que precisam entender que muitas vezes são parte do problema.
O brasileiro, em geral, tende a não se preocupar com ninguém que não seja ele mesmo ou seu círculo social mais próximo. As pessoas sabem reclamar seus direitos e ficarem revoltadas quando algo faz com que elas se sintam prejudicadas pessoalmente. Mas, quando fazemos algo que indiretamente também vai prejudicar outra pessoa, não tem problema, afinal, todo mundo faz. Por que vamos ser o único otário a não fazer?
Quer um exemplo bobo, mas que muita gente já deve ter presenciado? Acostamento da Rio-Santos em volta de feriado. Basta o primeiro espertinho resolver andar no acostamento para que se forme uma nova fila do lado direito da rodovia, que há muitos anos já deveria ter sido quadruplicada. Gosto desse exemplo porque ele mostra a incompetência e descaso do governo, mas também que não existe nenhum respeito ao próximo, sem distinção por classe social. Você vê de Voyage velho a BMW fazendo quem segue as regras de trouxa.
Para que o Brasil mude, é preciso que o brasileiro entenda que não existe crescimento sem sacrifício. Que ser feliz não é ser festeiro e que regras e leis foram feitas para todos sem exceção. E que, o “jeitinho brasileiro” que nos faz ser tão adorados pelos gringos que nos visitam, é também o que nos faz viver em um país onde está ficando cada dia mais difícil ser feliz.
O texto foi escrito por Fernanda Neute e postado no blog FÊliz com a Vida. Na Tag "No Fundo do Armário", postamos textos de diversos autores. Foto: Anna Guerra.
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